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Ponta Delgada - Uma cidade em crise

 

Já há lugares à larga para estacionar ,na Avenida do Infante, facto não muito comum, há uns tempos, quando Ponta Delgada fervilhava de trânsito, logo de manhã.

Mau sinal, digo eu, numa cidade que já conheceu tormentosas horas de ponta.

Pelas ruas do velho burgo, não fora os alunos da escola de formação profissional, à Rua Marquês da Praia e Monforte, olhando peões e veículos a passarem preguiçosos, e pouco mais gente havia.

Ponta Delgada perdeu gente, muita gente para os subúrbios e agora definha a força da sua vitalidade comercial. Há estabelecimentos novos, é verdade, mas muitos outros existem onde os empregados espreitam na rua um eventual cliente que justifique a porta aberta e o salário que auferem.

O rosto da cidade é também o figurino da pouca vitalidade económica.       Numa grande superfície, uma empregada confessa que « em Novembro  de 2010 já se fazia horas extraordinárias. No Natal passado isso só aconteceu na semana da Festa. »

Sinais de crise? Certamente.
O meu vizinho, há uns tempos satisfeito por estar a trabalhar nas SCUTS, voltou ao desemprego. « Falta acabar umas coisinhas, mas só para duas ou três semanas. Depois?...não sei. Há-de se ver!... » Entretanto, vai aproveitando o tempo para ir reconstruir a casinha que comprou. « Do Governo estiveram aqui uns senhores a fazer um levantamento das obras. Sugeriram até mais coisas que as que eu pedia. No final, recebi uma carta a dizer que já não havia verba. Para mim!...mas se fosse para outros havia, sim senhor!... »

Não vai fácil a vida para muita gente.
Mesmo assim um vendedor de uma conceituada marca de automóveis afirmou-me que « Dezembro foi muito bom. Excedeu as nossas expetativas. Estou com medo é de Janeiro e de Fevereiro. Se há dinheiro? Há sim, senhor! Muito dinheiro há ainda por aí!...eu é que tenho de andar com a vida certinha, pois se num casal um fica sem trabalho, como é que vai ser, senhor?...É disso que eu tenho medo!... »

Pressente-se há muito uma desconfiança no presente e no futuro. Aos poucos e poucos, os guindastes que há uns anos eram parte da paisagem de Ponta Delgada, foram parando, enferrujando e sendo desmantelados.

Inicialmente, julgou-se ser uma situação transitória, pois nós aqui, por sermos mais pequenos e estarmos longe do mundo, não seríamos tão afetados. Puro engano. Os efeitos dos tsunamis vão-se diluindo na distância, mas atingem também regiões longínquas. Foi o que aconteceu.

Um dia destes, nos arredores da cidade, dois homens revolviam um grande caixote de lixo. A fome também já atingiu estas proporções? - perguntei. O meu companheiro de viagem respondeu: « isto não é nada! Na nossa rua, há jovens e famílias a passar fome, devido ao desemprego. Não me admira nada que daqui a uns tempos eles se revoltem contra os que mais têm! Esses – continuou com ar perturbado – como estão bem, não sabem ouvir os protestos dos pobres. Por isso não me admira nada que comecem por aí os roubos. Afinal, eles não perdem nada, porque nada têm!... Outros vendem droga para matar a fome e há também quem venda o corpo para pagar as propinas! »

Que terrível mundo este!...
Esta semana atracou às Portas do Mar mais um dos muitos e grandiosos navios de cruzeiro. Vêm admirar as belezas desta ilha do Arcanjo antes de rumar às Caraíbas onde agora faz verão.

Por detrás de tanta maravilha, há gente muito carenciada, novamente à espreita de uma oportunidade para se afirmar e ser alguém aqui ou no estrangeiro.

Ocorre-me, por isso, um poema do meu colega Onésimo Almeida feito na década de 70, em situação social idêntica, que tão convictamente interpretávamos cantando a Lira: « De maravilhas e sonhos,/ dizem que as ilhas são/ É, sim! P'ra olhos jantados/Mas p'ra meu povo inda não! »

 

 

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